Tela " Summer interior"(1909) de Edward Hopper
Algumas pessoas inquietas –– sim, elas
devem existir –– se perguntam o motivo de alguém procurar o tratamento
analítico, a psicanálise. Por que uma pessoa busca o psicanalista para falar
sobre suas angústias e aflições? Certamente, o pensamento mais comum tende a
julgar que se trata de uma confissão
dispendiosa para o paciente, ––- e que ele poderia obter os mesmo
efeitos procurando um ombro amigo ou um conselheiro perspicaz.
De antemão, a psicanálise não se propõe a
ser uma espécie de panacéia existencial, mas sim uma forma de tratamento, pela
palavra, do sofrimento humano. Também, a psicanálise, não se presta a servir
como profilaxia comportamental pronta a
ser aplicada ao indivíduos que padecem de algum sofrimento psíquico; não, a
psicanálise, para os que a procuram, proporciona em linhas gerais o
apaziguamento com o que se é, com o que se sente ––– tarefa nada fácil. Há pacientes que procuram a psicanálise por
crises de angústia recorrentes (pânico); outros por que não sabem o motivo pelo
qual embarcam sempre em situações desprazerosas e que causam sofrimento. Por
exemplo, queixam-se de cometer os mesmos erros nas relações, iniciam atividades
que nunca concluem. Então, a repetição de situações desprazerosas gera um incômodo,
um excesso, que leva alguns sujeitos à psicanálise.
Não raramente os sujeitos que chegam até
a análise, antes procuraram os outros meios de tentar sanar seu padecimento
psicológico; tentaram o alívio medicamentoso para a dor na alma ou qualquer outro
recurso que aplacasse essa dor. Evidentemente que a prescrição de medicação
para determinados quadros de depressão, angústia( ansiedade),esquizofrenia etc
é de suma importância para a melhora e a manutenção do tratamento do paciente.
Negar a importância da medicação nesses quadros seria ignorância,
obscurantismo; no entanto restringir o tratamento dos sujeitos sofredores
apenas ao uso de medicação revela, também, desconhecimento do que é sofrimento
psíquico; no entanto a medicação serve para aplacar os efeitos de uma depressão
grave, de um surto psicótico etc, porém
não elimina estes estados, mesmo que ocorra a estabilização da doença
psíquica, novas crises poderão ocorrer. Outro exemplo: pacientes que tomam medicação
por sensação de angústia recorrente, por medos fóbicos, sentem um real alívio,
mas declaram que a angústia continua a espreita e eles não sabem o porquê,
embora os tranquilizantes possibilitem a manutenção das atividades desses
pacientes, a angústia e o medo fóbico não são eliminados. Em alguns quadros o
acompanhamento médico-psiquiátrico temporário ou contínuo permite que o que
sujeito reuna forças para buscar uma psicoterapia, pois o medo fóbico de uma
agorafobia, de alguma fobia social, pode dificultar a vida do paciente.
A psicanálise, quando eivada pelo ímpeto
freudiano, não é utilitarista nem elitista, não separa o sujeito de seu
contexto social e familiar. Não é utilitarista pois não prega a cura como
assepia dos conflitos humanos ––– relativizando o conceito de normalidade –––
sem impor um amortecimento das paixões humanas. Não é elitista porque
indivíduos das diversas esferas sociais procuram o divã analítico, já que o
sofrimento não elege classe. Há também o falacioso argumento que julga
necessário certo nível intelectual para se poder obter benefício do tratamento
psicanalítico; argumento preconceituoso visto que não se trata de uma questão
intelectual ou de conhecimento no processo analítico, senão de um saber de si
que o paciente vai encontrar em sua própria fala conduzida pelo psicanalista. Freud
abandonaria a neurologia –– ele era neurologista –– por haver descoberto que
suas pacientes histéricas se curavam, de muitos de seus sintomas, através da
fala –– de uma fala dirigida digamos. E tanto que uma de suas pacientes
denominou seu tratamento como talking cure.
Mas o que é esse “ saber” obtido na
análise pessoal? O psicanalista não é um guru, nem um adivinho, que pode
prescrever e vaticinar o que considera melhor para seus pacientes; o
psicanalista, através de sua técnica e formação, estrutura a análise de seus
pacientes, estabelecendo uma direção para o tratamento para que o paciente
obtenha um saber sobre sua história, sobre seus sofrimentos. A fala é,
sobretudo, um meio de descarga, tanto que o simples desabafo fraternal feito nos
bares, no ombro alheio, desopila o peito opresso, angustiado.
Anteriormente, citei que há pacientes que
chegam ao consultório psicanalítico empunhando sua lista de algozes, como
disse, nela figuram os pais, o cônjuge, o vizinho, a economia mundial entre
outros; e com seus algozes já eleitos o paciente tende a justificar seu
sofrimento, suas atividades inacabadas, seus medos. O tratamento analítico não
sustenta a manutenção dessa lista, anatematizando esses supostos algozes, mas
busca que o paciente, pela fala no dispositivo analítico, reconheça sua parcela
de responsabilidade em sua história e que consiga bem dizer o que sente e o que viveu; evidente que é um longo
percurso para os que estão dispostos a percorrê-lo, porém o “saber de si”
fortalece o sujeito trazendo alguma serenidade. Um paciente que apresente um quadro
depressivo real ––– o termo depressão se tornou erroneamente aplicado a quase
todo estado de tristeza ou luto -––– pode vir a obter algum saber sobre sua
“depressão”, e tendo esse “saber” em mãos não será tão tomado, oprimido, pelo
seu sofrimento; o medicamento antidepressivo cumpre seu papel de aliviar os
infortúnios causados pelo transtono, entretanto o que deprime o paciente
continuará soterrado e seus efeitos não cessarão de emergir na consciência, no
comportamento, nos sonhos etc.
Quando o paciente chega ao consultório
apresentando uma relação de sintomas, causas, de sua doença colhidos na
internet, em compêndios, porém sem saber o motivo de suas aflições, de sua
angústia temos aí uma notória demonstração de conhecimento preliminar, não
obstante ele continue a desconhecer os motivos subjetivos de seu sofrimento;
sabe que sofre, sem saber o que gera e mantém sua dor.
Trabalho de Keith Haring
É difícil explicar em termos gerais o que
é um processo analítico e temos de estar cientes deste obstáculo. Árduo captar
o que pode vir a ser a libertação galgada em um tratamento analítico em um
mundo pragmático e cientificista que pode considerar tudo o que lhe escapa como
misticismo, como especulações transcendentais.
Ademais, o sujeito que embarca em um
percurso singular saber sobre si –– seja espiritual, analítico etc –– em algum
ponto de alcançar uma perspectiva proustiana
do saber que consiste em uma nova forma de ver o mundo; para o Proust “ a sabedoria não se transmite, é preciso que
a gente mesmo a descubra depois de uma caminhada que ninguém pode fazer em
nosso lugar, e que ninguém nos pode evitar, porque a sabedoria é uma maneira de
ver as coisas”. Os mais céticos, aferrados ao utilitarismo moderno, podem julgar
essa perspectiva como um simples ideal castiço e impalpável; talvez seja inútil
tentar demovê-los de sua “ visão de mundo”, também seria uma tentativa
improdutiva na medida em que cada percurso é calcado no desejo e sua singularidade.
Mais vale a pena observar a descrição sublime do escritor que consegue alcançar
o que as construções do psicanalista apenas tangenciam.
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* Ensaio publicado no Cinform Online em 2011.
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* Ensaio publicado no Cinform Online em 2011.