Um santo parricida


                       
                   A lenda de um santo parricida pode evocar as mais tolas e óbvias curiosidades de um psicanalista; tema sublime para cândidas especulações ensaísticas --- belas frases, dissimuladas sob leve jocosidade, findam por atingir objetivo fugaz.  Diletantismo que se deleita ante um tema interessante, pensando assim alçar seu voo acima do horizonte mesquinho, comum,  para a ignorância que habita os rincões tropicais. Afinal belas frases e citações eruditas, ou simplesmente obscuras, podem ser usadas a torto e a direito imprimindo certa garbosidade estilística ao diminuto ensaio. A verbosidade  vaidosa seria o pecado venial, pecadilho,  da falta de fibra argumentativa; claro que boas ideias também se apresentam de modo galante na pena dos verdadeiros escritores, mas não se restringem a eles porque há poesia também na rudeza. Importante  deve ser o sopro vívido que deve animar toda pesquisa resultando em entusiasmo produtivo que posteriormente deve ser  “deixado”, obrado, através de algum meio.
                        
               A exultação alcançada durante o processo de criação, de expiação, certamente não passará de um frêmito de júbilo que logo em seguida será substituído pelo objeto obrado. A “suave narcose” que era a designação de Freud para a fruição artística decerto não encerra em si a consideração da produção artística --- que para alguns artistas é um processo gozoso  e penitente cheio de delongas e hesitações ---  que mais uma vez não deve ser reduzida à mera fruição. Burilar, aperfeiçoar até obrar a produção comporta uma leve penitência melhor assimilada em termos de uma comichão que revolve o artista.
                       
              Em “ A gênese do Doutor Fausto” Thomas Mann legou ao leitor seu caderno de anotações e impressões políticas (sobre o período da Segunda Guerra) que serviu de base para a composição de “Doutor Fausto”, longo romance que retrata a trajetória de um compositor erudito que realiza  um pacto com o diabo para criar uma grande obra. Em seu processo criativo  de  Carlota em Weimar --- visitado por uma inflamação do nervo ciático --- o autor declara ter sentido algo de uma unio mystica com o Criador; e que poderia ser apreendido na ordem um pequeno transe. Não obstante, seria por demais arriscado e vão aproximar a criação artística da mística dos santos, beatos e iluminados, pois são percursos diferentes. Melhor que está digressão esteja associada à questão de Flaubert ter escrito seus “ Três contos” inspirado por certa fé, ou unio mystica, que dificilmente pode ser sondada pelo conhecimento objetivo senão por um saber singular; porém esses contos tratam, em ordem de apresentação no livro, de uma beata abnegada, da lenda de São Julião hospitaleiro e do episódio da decapitação de São João Batista a mando de Herodes Antipas. Biógrafos de Flaubert acreditam que esses contos, escritos na velhice do autor, foram gerados em momentos de grande dificuldade em sua vida.
                       
                 Fato é que a legenda de São  Julião hospitaleiro, --- o santo parricida conhecido na Idade Média como Oedipus christianus ---  foi tema de um conto de Gustave Flaubert em seu famoso “ tríptico”. Na hagiografia de São Julião ou Juliano fica patente que ele matou pai e mãe “sem saber”, embora antes de cometer o parricídio ele houvesse ouvido o funesto vaticínio através de um animal que caçava. Após isso o jovem Julião tenta se esquivar  ao cumprimento de seu lúgubre destino e foge da casa paterna para se destacar como caçador e guerreiro.  Conforme a Legenda áurea de Jacopo de Varazze --- grande compilação medieval da vida de santos ---  Juliano, ao ser senhor em um castelo, sai para mais uma caçada; nesse ínterim seus pais, que há muitos anos vagavam em sua busca, chegaram até o castelo em que Julião residia com sua nobre esposa; e, ao se apresentarem à esposa de Julião, ela os aceita e os conduz até os aposentos do casal para um merecido repouso que serviria de espera até o retorno do nobre caçador.  No entanto, Julião,ao regressar, encontra o casal paterno deitado em seu leito o que o leva a julgar que sua senhora estaria cometendo adultério; em um rompante terrível Julião assassina seus pais. Após o ato parricida encontra a esposa fora de seus aposentos e ela lhe revela que seus pais ali o aguardavam; tomado de supremo horror declara que o bizarro vaticínio da presa caçada se cumpriu. A partir desses acontecimentos,  Julião larga a vida mundana, profana, e segue  com sua companheira até as margens de um grande rio para fundar um hospital para os pobres e ser barqueiro ajudando na travessia do rio. Por fim, um leproso clama por seus cuidados e Julião os empreende com fervorosa dedicação; o zeloso cuidado seria o prenúncio de sua divina redenção, pois o leproso era um anjo que comunicou a Julião que Deus aceitou sua sincera penitência --- deste modo é que a lenda é contada.
                      

                                             Detalhe do vitral de São Julião na Catedral de Rouen, França
                   
               Ao modo de Édipo de Sófocles Julião tenta fugir ao seu fatídico destino, porém o santo não comete incesto; há também diferenças entre a lenda do santo e a de Édipo, mas o que se preserva, basicamente, é o cumprimento inexorável do destino, da Moira para os gregos.
                       
          Devo me abster de tentar didaticamente explicar o que seria o “ Complexo de Édipo”, segundo Freud,  neste ensaio nanico; quem mais informações quiser busque fontes ou o oceano da internet. Apenas vale remarcar que esse “complexo” trata da estruturação psíquica do sujeito neurótico em relação a quem ocupou a função parental para ele. Ademais, deixo aos sexistas e aos leitores superficais da obra freudiana o livre julgamento. No entanto, as questões de gênero, como o transexualismo, desafiam o ligeiro entendimento psicopatológico e a consideração acerca do que seria a “ correta” diferenciação sexual entre macho e fêmea. A estruturação da “escolha” sexual está fundada na constituição subjetiva do desejo e não em uma pura determinação genética de cunho moralizante; até em casos de hermafroditismo( pseudo-hermafroditismo) a constituição subjetiva do sujeito merece ser observada além do aspecto congênito --- ao menos este deve ser o proceder do analista para não cair na esparrela do furor sanandi alertado por Freud. Mais frutífero ao psicanalista é abandonar a presunção de julgar possuir uma suposta “escuta precisa” e aceitar, sem embargo, a possibilidade de se surpreender clinicamente. O que não dispensa a séria diagnose estrutural que guia a condução do tratamento conforme Lacan legou de modo pontual. 

                              Painel " Deuses modernos" (1934) de José Clemente Orozco

A versão de Flaubert foi inspirada num vitral encontrado em uma igreja na cidade de Rouen; esse vitral, em uma sequência de imagens, narra a trajetória de vida e de ascensão espiritual de São Julião hospitaleiro. No entanto, a versão romanceada do escritor francês tem matizes próprios além da simples hagiografia, pois Flaubert parece revelar  o que deve ser a convulsão pulsional (superexcitação ?) ante a queda aos abismos da abjeção; as iniquidades de Julião, antes de ascensionar, com as criaturas que aniquilava sem pestanejar, lhe traziam o semblante da realização de um imperativo; ou talvez o ímpeto de negar seu destino divino. Em suma são interpretações interessantes, mas que sempre pedem recato, precaução.


No entanto, o microcosmo psíquico do neurótico é estruturado a partir de um “parricídio” simbólico; através do ordenamento da lei em sua subjetividade. Razão que difere os fenômenos da neurose de uma psicose.  

A  maldade se esgota e mostra seu caminho de redenção para os santos e beatos. Após o ápice de sua perversidade, buscado no parricídio vaticinado,  Julião sai em penitência pelo seu destino amaldiçoado para, por fim, ter sua redenção sublime.


Do bunker provinciano ao fabulário tropical


                                                       Pois o pensamento doentio devora a carne do corpo mais do                                                                                      que a febre ou a tuberculose.
                                                                                           Guy de Maupassant
                                                                                                
                                                                                                       Once I wanted to be the greatest/
                                                                                                     No wind or waterfall could stall me / 
                                                                                                    And then came the rush of the flood/
                                                                                                    Stars of night turned deep to dust
                                                                                                                               Chan Marshall
     

Talvez o isolamento acarrete certo preciosismo e dificuldade em acatar as próprias limitações, pois sempre precisamos do outro, do próximo, para reconhecer nele  nossas raivas, ódios e falhas inconfessáveis. O apoucamento existencial não pode ser apartado do insulamento próprio ao atraso atávico da cultura nos trópicos –– ilusão volátil de que desenvolvimento humanístico pode ser assimilado a crescimento econômico e estrutural.

Entre praias, coqueiros e o frenesi carnavalesco segue a mentalidade tropical débil e seus indivíduos atabalhoados formando o que Tobias Barreto designou por “ estado de mendicidade espiritual” sendo esta a qualidade de nossa cultura atrasada. Suas diatribes, quanto ao atraso tropical, podem ser encontradas em alguns de seus ensaios e artigos; por exemplo, em um ensaio chamado “ Sobre a filosofia do inconsciente”  Tobias emite o seguinte desabafo: “ O Brasil padece de uma espécie de prisão de cérebro: tem peçonha no miolo, É preciso sujeitar-se à dolorosa operação de crítica de si mesmo, do desapego, do desdém, e até do asco de si mesmo, a fim de conseguir uma cura radical”. O grande filósofo e jurista tropical –– e  também devemos dizê-lo: um caga-raiva genial –– nos aponta o óbvio ululante que é a “prisão de cérebro” tropical e algo mais interessante que é a dificuldade provinciana de digerir o mal-estar inerente à sua história, sobrando hiatos incômodos que emperram uma possível “ cura”.

Tobias Barreto defendia o ímpeto de elaboração do atraso atávico e não o rejeitava como fazia a intelligentsia dos trópicos. Em  “ O partido da reação em nossa literatura” torna a este tema ao defender o livro de Sílvio Romero “ A filosofia no Brasil”, pois o crítico Sousa Bandeira Filho, alvo da polêmica de Tobias, acreditava que levantar “ questão” quanto ao atraso brasileiro seria “ perder tempo com banalidades”.  O crítico que brilhava na corte de Dom Pedro II deveria julgar que um futuro alvissareiro haveria de chegar sem tardança  ––orgulho tropical, cheio de pompa, que ainda anima os discursos verbosos que celebram as maravilhas e a pujança de tão ricas paragens. Tobias e Sílvio Romero eram polemistas irascíveis –– profundos conhecedores  do atraso atávico dos trópicos –– todavia, com base no estudo “ Estilo tropical” de Roberto Ventura, é possível aventar a hipótese de que ambos acreditavam também em uma suposta grandiosidade nacional recalcada a que buscavam dar vazão ou estimular a partir de um ímpeto desenvolvimentista, de um culto aos preceitos positivistas, em voga na época, e de um germanismo como tentativa  de engendrar –– por meio de certo beletrismo combativo –– as luzes nos trópicos. 

Evidente que inúmeros habitantes da nação promissora, tomados por um chauvinismo de cunho mais esportivo que de outra ordem, alegarão que a grande nau dos trópicos, hoje, singra mares de prosperidade e de desenvolvimento opulento. Desse modo, não haveria por que alardear desconhecimento de tantos avanços, sendo o queixume de Tobias Barreto algo decrépito e anacrônico. Certamente que a sensação de grandeza territorial infla o tórax contribuindo para que sempre essa sensação seja delineada pela mentalidade tropical; embora haja retardamento desenvolvimentista e  depauperamento  econômico da população e do erário, a tendência  a superestimar  as características locais e nacionais é notória na mentalidade mediana dos trópicos.

A sensação de uma grandiosidade soterrada –– de um possível “país do futuro” observado candidamente pelo escritor Stefan Zweig –– mas que virá a emergir deixa o brasileiro transido de júbilo, sonhando com mais aspectos grandiosos a serem descobertos, sejam eles minerais ou esportivos. No entanto, essa elação nacionalista, por motivos insondáveis, não absorve a concepção de desenvolvimento cultural e humanístico como substrato para um projeto nacional consistente. Apostar as fichas, unicamente, no desenvolvimento econômico é o principal impulso do progresso tupiniquim. Fácil recurso, dotado do mais simplório psicologismo, seria o de observar a tendência nacional sob a perspectiva de uma megalomania cultural  –– de um delírio coletivo. Não obstante, certo matiz de grandeza patológica não deve ser desconsiderado, porém tarefa pouco profícua é a de se empreender uma suposta  “análise” da cultura para efetuar uma diagnose tão vaporosa quanto uma sílfide; também é plausível supor que o sentimento da grandiosidade brasileira se assemelha ao comportamento neurótico que, em seu imo, comporta o talhe da dúvida claudicante que diverge da certeza delirante própria à megalomania psicótica. Em termos gerais é perceptível que a brasileirada reforce, com veemência, seu sentimento de grandeza, mas sem dispensar  certo quinhão ao bafio da dúvida, da hesitação que divide.

Sátira mordaz, a obra “ Os bruzundangas”, de Lima Barreto, retrata o fictício país da Bruzundanga que em muito se assemelha, jocosamente, às pitorescas terras tupiniquins.  Não se trata de assimilar a briosa nação brasileira a uma mera pândega carnavalesca, senão através da alegoria satírica transcrever os infortúnios e debilidades tropicais. O narrador tece considerações a partir de sua visita ao país imaginário da Bruzundanga encontrando aí anomalias e patetices dignas de nossa nação. Nas primeiras páginas de sua sátira Lima Barreto, ao descrever os modos e costumes dos bruzundangos, frisa o júbilo que eles experimentam ao serem designados por “ doutor”, sendo mais importante o designativo que a carreira a ser desempenhada –– Nelson Rodrigues também ressaltaria o êxtase que o brasileiro desfruta ao ser chamado de “ doutor”. Evidente que se trata de um exemplo menor dos hábitos ordinários de uma cultura, mas nos pequenos traços é possível entrever características gerias que a compõem. A sensação de uma grandiosidade, que se manifesta nas miudezas das relações, evoca mais a preocupação com a forma que com o conteúdo, sendo esse o sentimento que expande o peito e o orgulho nacional. Que essas expansividades sejam louváveis não é fato a ser posto em xeque, todavia é inegável que não frutificam além da mera maquilagem estrutural –– há o odor de uma nação falhada sob a casca dos ideais etéreos de nossa cultura.

Machado de Assis em “Teoria do medalhão” descreve, de modo figurativo, o ímpeto mesquinho das aspirações medianas tupiniquins que encoraja a obstinação por títulos e posições cômodas para o sucesso mundano em detrimento do espírito e da inventividade. Em “ Teoria do medalhão” um pai aconselha seu filho a não ter ideias ou apenas compartilhar as que sejam mais aceitas –– comedimento para colher os louros do respeito social. O pai diz ao filho: “ Ser medalhão foi o sonho de minha mocidade”, e enumera conselhos para que o rebento se torne um indicando o uso da retórica pomposa como meio de convencimento e destaque; ainda prega a recusa a uma  originalidade incômoda –– aconselha, também, o uso de frases feitas baseadas na mais moderna terminologia científica. O doutor e o medalhão são figuras que aninam o imaginário nacional de sucesso e respeitabilidade no qual a forma, a “ retórica de bacharel” e os títulos  importam mais que ventilar novas ideias e o impulso inventivo que proporciona o avanço de uma civilização. 


Curioso observar como Tobias e Lima Barreto, com base em suas biografias,  podem ser compreendidos sob a figura do intelectual atormentado pelo atraso e banalidades da inócua mentalidade provinciana nos trópicos; embora Lima Barreto tenha morado no Rio de Janeiro isso pouco importa, pois a questão não é a de um locus determinado, mas a de uma espécie de axioma que permeia a  formação de uma cultura. Esses geniais autores sofreram os reveses da vida, de uma sociedade de etéreos valores humanísticos e da inconstância de uma nação formada pela lassidão de degredados. Para Tristão de Ataíde, em um ensaio intitulado “ Lima Barreto”, o escritor foi herdeiro de Machado de Assis e intérprete “dos medíocres, dos apagados, daqueles que passam como sombras ou como engrenagens, humilhados pela Sociedade, com S maiúsculo, e indispensáveis a ela”. Em um pequeno ensaio sobre “Numa e a Ninfa”*, romance de Lima Barreto, o grande crítico literário da terra do saroio, João Ribeiro, louva a notável capacidade descritiva de Lima Barreto quanto à “ desordem fundamental de nossos costumes”, sendo o escritor dotado de “observação arguta, de imaginação e de estilo”; não obstante, o grande crítico literário, também aponte defeitos de acabamento na obra do escritor. Tobias e Lima Barreto alcançaram, em um tour de force,  notoriedade e cravaram o nome na história, porém permaneceu em ambos a indignação ferrenha contra o estado de mendicidade espiritual tupiniquim.


  Paisagem (1948)  de Jordão de Oliveira


Os arroubos de grandiosidade da brasileirada –– sua comichão pela patuscada, sua ausência de valores que ultrapassem o imediatismo da vantagem e do parasitismo indolente –– formam a base do caráter brasileiro. O  rincão provinciano, a terra do saroio, comporta em seu microcosmo também características do devaneio nacional. Toda potência quando não consumada –– a grandiosidade nacional e provinciana  seria como uma assíntota ––  amarga os ideais desenvolvimentistas provincianos que pregam o avanço econômico e estrutural em detrimento do avanço educacional e humanístico. Outrossim é natural que o estado nanico esbraveje, seja dado a bravatas, para que compense o apequenamento de seus horizontes e valores.

     Longe de alcançar a “ cura radical” idealizada por Tobias Barreto permanece a cultura tropical em seu humor débil –– pouco chistoso em si –– levando a sério sua pretensa grandiosidade que deveria granjear um confortável lugar entre as grandes nações. A característica  dos trópicos parece ser o humor das vantagens escusas, sem profundidade de auto-observação, que leva o indivíduo ao deboche alheio, mas pouco auto-referente –– o que há de chistoso é o escárnio alheio, deixando de lado a capacidade de rir de si mesmo. As produções da cultura –– e o humor estaria incluso como estilo de criação –– provavelmente seriam os meios propostos por Tobias Barreto, porém a mentalidade nos trópicos continuará celebrando ilusões desenvolvimentistas.           

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* Nesse mesmo ensaio, João Ribeiro desabafa: “ No brasil, em quase todos  os ramos  de vida,  o‘arrivismo’ é uma arte consumada e perfeita; sem ela, seria impossível explicar o triunfo e a evidência de indivíduos quase nulos, insignificantes, incultos e ridículos que, entretanto, ocupam as melhores posições”. 

Anotações rasteiras sobre a avareza*





Tomar a teimosia e a avareza estes dois traços de caráter ou “defeitos” de caráter –– como ainda acrescentou  Freud –– não significa seguir a via de uma clínica do comportamento, pois ambas não são novas afecções psíquicas a serem diagnosticadas sob nova nomenclatura de síndromes e transtornos psiquiátricos. Esses traços (de personalidade), sintomáticos, podem atormentar o sujeito, mas também revelam algo de sua constituição psíquica –– além de servirem a um ensaio ligeiro.

Importa mais saber o que esses traços revelam acerca da pessoa; isso quando um avarento se dispuser a custear uma análise, pois o objetivo dele é o de reter; de não doar o que julga seu por direito, sofrendo toda vez que sente sua bolsa subtraída. Nenhum sintoma –– ainda mais um traço de caráter –– não surge repentinamente, talvez nenhuma doença surja do nada, da cartola. No entanto, difícil é vencer a ignorância quanto ao que se desconhece em si mesmo, predominando o recurso à medicalização excessiva e medidas   comportamentais, com acento higienista, que achatam  a subjetividade.

A teimosia, base para a avareza, deve ser lida como obstinação em guardar para si; fato que na tenra infância adquire mais o sentido lógico que cronológico para a formação do psiquismo. Comum que esses dois traços( ou defeitos) estejam presentes na neurose obsessiva hoje mais conhecida por toc (transtorno obsessivo compulsivo) e suas variáveis clínicas. A obstinação em reter os objetos para si é delineada no mais primitivo da infância do sujeito, o qual primeiramente vai reter seus objetos –– o que Freud observou  como o que for “presente” dado à criança; apenas depois, a retenção de objetos e presentes seria deslocada para o dinheiro. Devemos considerar que um traço de caráter tem, em um adulto, as raízes fincadas em seu psiquismo além da simples formação eventual de sintomas comportamentais. Outrossim, na avareza, há o deslocamento da retenção psíquica primitiva dos objetos para o dinheiro, sendo que a teimosia( obstinação) –– que forma a base egoísta, narcísica, dessa retenção –– é amorosa em seu cerne. Há nesse aspecto amoroso da retenção, uma erotização primeira que se distingue, precisamente, da genitalidade sexista, mas que aponta para o investimento de amor e ódio que a criança faz em seus  pais e objetos.

A avareza é tema secular na literatura e no teatro, sendo talvez a peça, a comédia “ O avarento” de Molière o exemplo mais direto. Remarque-se que essa peça do autor foi inspirada na comédia “Aulularia” de Plauto, autor latino, escrita no século 100 a.C.; e ambas trazem um avarento como protagonista. Na comédia de Molière, Harpagão, personagem principal, utiliza sua astúcia para preservar sua fortuna. O tom dado à personagem beira o ridículo, a histrionice, embora aja com perfídia e puro egoísmo. Harpagão, mesquinho e sovina, acusa sua família e as demais pessoas de só pensarem em dinheiro; porém, pela sutil ironia da farsa, é perceptível seu blefe para ludibriar a todos.  Ainda na peça, há o notório sofrimento do protagonista ao ter que dar alguma coisa à família e, também, quando sua “caixinha” de economias  –– que estava enterrada no jardim de sua casa –– é repentinamente furtada. Ao perder o objeto “dinheiro” é como se estivesse perdendo parte de seu corpo e de seu eu (ego), pois ao descobrir o furto declara que se sente “perdido, assassinado e com a garganta cortada”. Episódio curioso acontece em outra comédia –– “O mercador de Veneza” de Shakespeare ––– ao mesquinho agiota Shylock que cobra “ uma libra de carne” a Antônio por uma dívida, mas  é o credor malévolo quem acaba perdendo seus bens, seu ouro.  

De modo paradoxal, o avarento encontra um átimo de alívio para sua eterna vigilância quando sua bolsa é furtada, pois seu constante investimento de energia psíquica no ato de reter e economizar tende a sobrecarregá-lo de maneira extenuante; então entraria o outro como usurpador que o avarento não poderia haver previsto. Talvez sua irascibilidade, ante a perda de sua bolsa, funcione como descarga em seu psiquismo para a tensão contínua de sua retenção; porém esta suposição deve ser clinicamente verificada na história de cada sujeito. As generalizações clínicas devem sempre ser submetidas à escuta de cada paciente. 

Romance lapidar -–– que tem a avareza por tema ––- é “Eugénie Grandet” de Balzac, no qual o Sr. Grandet, sumo avaro, impõe a sua família uma vida espartana e frugal, não obstante tenha posses; o Sr. Grandet parece economizar tudo, até seus movimentos, como descreve o autor. A concupiscência do Sr.  Grandet se mostra idêntica à de Harpagão; ambos insinuam uma quase fusão com o objeto amado, o dinheiro, visando a que o tenham junto a si; porém é uma relação sempre ameaçada e que quantia alguma traria completude. O personagem do romance possui um quarto fechado em sua casa onde guarda seu ouro, seu dinheiro, para preservá-lo, e ter o objeto de seu egoísmo fisicamente próximo, pois não confia nem em bancos, enquanto que Harpagão tinha sua “caixinha” enterrada em seu jardim. Na avareza parece haver a  atitude infantil de ter os objetos perto, sob a vista, temendo que eles sejam furtados; relevante notar o fato de a avareza figurar mais em comédias, talvez devido a algo de infantil que ressalta o caráter ridículo, tragicômico, do avarento e seu sofrimento. Em sua mise en scène, o sovina apresenta certo deboche, blefe risível, que se adapta bem ao tom da farsa, ao gênero da comédia.    

Livres dos riscos de psicanalisar obras e personagens –– e tendo a psicanálise como devedora da arte –– podemos, senão, apreender e captar evidências neles que nos sirvam como um norteador clínico para estudo. Assim, o avarento, o somítico, em sua teimosia (obstinação), ensina o que de  infantil e primevo há no comportamento neurótico embora esteja deslocado para o dinheiro na atitude tenaz de preservá-lo. A relação quase perversa do avarento com seu dinheiro, sua “caixinha”, está longe de ser pacífica e sem sofrimento; parece marcada por um suposto  e claudicante imperativo interior que ele não pode negligenciar em momento algum –– Balzac descreve o ímpeto do Sr. Grandet para tudo economizar. E o avarento economiza tudo para si: amor, objetos e dinheiro.
    


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       * Ensaio publicado em minha coluna no portal Notíciasaju





A que serve uma psicanálise ? *


                                          Tela " Summer interior"(1909) de Edward Hopper


Algumas pessoas inquietas –– sim, elas devem existir –– se perguntam o motivo de alguém procurar o tratamento analítico, a psicanálise. Por que uma pessoa busca o psicanalista para falar sobre suas angústias e aflições? Certamente, o pensamento mais comum tende a julgar que se trata de uma confissão  dispendiosa para o paciente, ––- e que ele poderia obter os mesmo efeitos procurando um ombro amigo ou um conselheiro perspicaz.

De antemão, a psicanálise não se propõe a ser uma espécie de panacéia existencial, mas sim uma forma de tratamento, pela palavra, do sofrimento humano. Também, a psicanálise, não se presta a servir como  profilaxia comportamental pronta a ser aplicada ao indivíduos que padecem de algum sofrimento psíquico; não, a psicanálise, para os que a procuram, proporciona em linhas gerais o apaziguamento com o que se é, com o que se sente ––– tarefa nada fácil.  Há pacientes que procuram a psicanálise por crises de angústia recorrentes (pânico); outros por que não sabem o motivo pelo qual embarcam sempre em situações desprazerosas e que causam sofrimento. Por exemplo, queixam-se de cometer os mesmos erros nas relações, iniciam atividades que nunca concluem. Então, a repetição de situações desprazerosas gera um incômodo, um excesso, que leva alguns sujeitos à psicanálise.

Não raramente os sujeitos que chegam até a análise, antes procuraram os outros meios de tentar sanar seu padecimento psicológico; tentaram o alívio medicamentoso para a dor na alma ou qualquer outro recurso que aplacasse essa dor. Evidentemente que a prescrição de medicação para determinados quadros de depressão, angústia( ansiedade),esquizofrenia etc é de suma importância para a melhora e a manutenção do tratamento do paciente. Negar a importância da medicação nesses quadros seria ignorância, obscurantismo; no entanto restringir o tratamento dos sujeitos sofredores apenas ao uso de medicação revela, também, desconhecimento do que é sofrimento psíquico; no entanto a medicação serve para aplacar os efeitos de uma depressão grave, de um surto psicótico etc, porém  não elimina estes estados, mesmo que ocorra a estabilização da doença psíquica, novas crises poderão ocorrer. Outro exemplo: pacientes que tomam medicação por sensação de angústia recorrente, por medos fóbicos, sentem um real alívio, mas declaram que a angústia continua a espreita e eles não sabem o porquê, embora os tranquilizantes possibilitem a manutenção das atividades desses pacientes, a angústia e o medo fóbico não são eliminados. Em alguns quadros o acompanhamento médico-psiquiátrico temporário ou contínuo permite que o que sujeito reuna forças para buscar uma psicoterapia, pois o medo fóbico de uma agorafobia, de alguma fobia social, pode dificultar a vida do paciente. 

A psicanálise, quando eivada pelo ímpeto freudiano, não é utilitarista nem elitista, não separa o sujeito de seu contexto social e familiar. Não é utilitarista pois não prega a cura como assepia dos conflitos humanos ––– relativizando o conceito de normalidade ––– sem impor um amortecimento das paixões humanas. Não é elitista porque indivíduos das diversas esferas sociais procuram o divã analítico, já que o sofrimento não elege classe. Há também o falacioso argumento que julga necessário certo nível intelectual para se poder obter benefício do tratamento psicanalítico; argumento preconceituoso visto que não se trata de uma questão intelectual ou de conhecimento no processo analítico, senão de um saber de si que o paciente vai encontrar em sua própria fala conduzida pelo psicanalista. Freud abandonaria a neurologia –– ele era neurologista –– por haver descoberto que suas pacientes histéricas se curavam, de muitos de seus sintomas, através da fala –– de uma fala dirigida digamos. E tanto que uma de suas pacientes denominou seu tratamento como talking cure.

Mas o que é esse “ saber” obtido na análise pessoal? O psicanalista não é um guru, nem um adivinho, que pode prescrever e vaticinar o que considera melhor para seus pacientes; o psicanalista, através de sua técnica e formação, estrutura a análise de seus pacientes, estabelecendo uma direção para o tratamento para que o paciente obtenha um saber sobre sua história, sobre seus sofrimentos. A fala é, sobretudo, um meio de descarga, tanto que o simples desabafo fraternal feito nos bares, no ombro alheio, desopila o peito opresso, angustiado.

Anteriormente, citei que há pacientes que chegam ao consultório psicanalítico empunhando sua lista de algozes, como disse, nela figuram os pais, o cônjuge, o vizinho, a economia mundial entre outros; e com seus algozes já eleitos o paciente tende a justificar seu sofrimento, suas atividades inacabadas, seus medos. O tratamento analítico não sustenta a manutenção dessa lista, anatematizando esses supostos algozes, mas busca que o paciente, pela fala no dispositivo analítico, reconheça sua parcela de responsabilidade em sua história e que consiga bem dizer o que sente  e o que viveu; evidente que é um longo percurso para os que estão dispostos a percorrê-lo, porém o “saber de si” fortalece o sujeito trazendo alguma serenidade. Um paciente que apresente um quadro depressivo real ––– o termo depressão se tornou erroneamente aplicado a quase todo estado de tristeza ou luto -––– pode vir a obter algum saber sobre sua “depressão”, e tendo esse “saber” em mãos não será tão tomado, oprimido, pelo seu sofrimento; o medicamento antidepressivo cumpre seu papel de aliviar os infortúnios causados pelo transtono, entretanto o que deprime o paciente continuará soterrado e seus efeitos não cessarão de emergir na consciência, no comportamento, nos sonhos etc.

 Quando o paciente chega ao consultório apresentando uma relação de sintomas, causas, de sua doença colhidos na internet, em compêndios, porém sem saber o motivo de suas aflições, de sua angústia temos aí uma notória demonstração de conhecimento preliminar, não obstante ele continue a desconhecer os motivos subjetivos de seu sofrimento; sabe que sofre, sem saber o que gera e mantém sua dor.
                                                            Trabalho de Keith Haring

É difícil explicar em termos gerais o que é um processo analítico e temos de estar cientes deste obstáculo. Árduo captar o que pode vir a ser a libertação galgada em um tratamento analítico em um mundo pragmático e cientificista que pode considerar tudo o que lhe escapa como misticismo, como especulações transcendentais.

Ademais, o sujeito que embarca em um percurso singular saber sobre si –– seja espiritual, analítico etc –– em algum ponto de alcançar uma perspectiva proustiana do saber que consiste em uma nova forma de ver o mundo; para o Proust  “ a sabedoria não se transmite, é preciso que a gente mesmo a descubra depois de uma caminhada que ninguém pode fazer em nosso lugar, e que ninguém nos pode evitar, porque a sabedoria é uma maneira de ver as coisas”. Os mais céticos, aferrados ao utilitarismo moderno, podem julgar essa perspectiva como um simples ideal castiço e impalpável; talvez seja inútil tentar demovê-los de sua “ visão de mundo”, também seria uma tentativa improdutiva na medida em que cada percurso é calcado no desejo e sua singularidade. Mais vale a pena observar a descrição sublime do escritor que consegue alcançar o que as construções do psicanalista apenas tangenciam.  


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* Ensaio publicado no Cinform Online em 2011.

Kafka e o pai*



Ler “ Carta ao pai” de Franz Kafka significa presenciar um pungente relato autobiográfico  que inicialmente foi escrito para ser entregue ao pai do escritor e não para o prelo.  Ao alcançar a publicação, a carta se tornou uma peça literária de valor perene embora houvesse sido dirigida a Hermann Kafka, pai do escritor. Esta famosa missiva pode servir como uma possível chave para a obra de Kafka, pois sua leitura esclarece e enriquece o que se buscava na obra do autor.

A presença do pai do escritor era esmagadora em sua vida;  Kafka, em sua carta, destila traumas e mágoas até alcançar o ponto de um queixume burlesco  –– até risível, mas que sob a pena brilhante do mestre tcheco ganha valor literário  além das lamentações comuns.  Porém, há também amor e admiração pelo pai como se ele fosse uma figura onipresente, todavia  inalcançável. Após a leitura da carta, resta a impressão indelével a respeito da marca da relação entre filho e pai na obra de Kafka; claro que a questão do poder opressivo e sufocante presente em obras como “ O processo” e “ O castelo” está muito além de uma superficial e reducionista leitura das relações do escritor com seu pai –– a tendência a empreender uma leitura meramente edípica deve ser tomada com reservas. O escritor também era um judeu que conhecia de perto a realidade do gueto e da exclusão social. 

Há em Kafka o pesadelo do poder burocrático que oprime, contudo obras como o inacabado “O castelo” e “O processo” podem ser lidas sob uma perspectiva existencial; porém, ambas não são excludentes, sendo a força metafórica da obra do escritor tcheco inesgotável. Modesto Carone, ensaísta e tradutor de Kafka, lembra que “O castelo”, primeiramente, recebeu a interpretação teológica de Max Brod (amigo e editor de Kafka) que observava nesse romance uma busca mística por Deus. Outro exemplo, que pode ser fértil em interpretações, é o conto “ Comunicação a uma academia” –– que foi adaptado para o teatro –– relata a história de um chimpanzé que foi “ humanizado”; por isso perde algo de sua inocência  selvagem para adotar as idiossincrasias humanas e além de suas torpezas e vilanias.


No entanto, novelas como “ O veredicto”(1912) e “A metamorfose”(1912) mostram mais claramente a questão de uma sensação de inadequação familiar; a descrição de Kafka do mal-estar de seus personagens é forte e ácida. O famigerado personagem principal de “ A metamorfose”, Gregor Samsa, o homem que acorda transformado em inseto passa toda a narrativa preso na residência familiar enfrentando a estranheza de sua transformação e o asco de sua família ao vê-lo em sua nova condição. A comunicação entre o Gregor inseto e sua família se torna ainda mais difícil; ao poucos o inseto isolado definha e morre. A irmã tenta compreender Gregor, mas o pai apenas adota uma posição de repulsa e incompreensão. Ademais, vale lembrar que antes de se tornar inseto Samsa era arrimo de família, pois seu pai estava aposentado. A nova condição de inseto do filho deixa o pai furibundo por que teria que voltar a trabalhar e sustentar a família. 


Além das considerações existenciais que possam ser aplicadas ao homem-inseto, há a situação absurda e terrível de seu personagem em relação à sua família; talvez aí encontremos ecos da relação entre Kafka e seu pai. Não que se deva tentar reduzir a preciosidade áspera do romance a uma fácil interpretação psicanalítica; no entanto não se deve desconsiderá-la, pois é notória a influência da relação de Kafka com seu pai em sua obra. E “ Carta ao pai” releva, pelo seu caráter autobiográfico, o ódio e aversão que não deixam de  estar fusionados com o amor e a admiração de um filho pelo seu autoritário pai –– o pai terrível de Kafka também é sumamente admirado. Talvez o exemplo mais vívido seria a novela “ O veredito” (1912) na qual há o claro conflito entre o personagem Georg Bendemann e seu viúvo pai.

          Há nessa “carta” a purulência do escritor na consideração de si; porém todo o aviltamento de si parece servir para enaltecer Hermann Kafka, tornando esse pai um ser tentacular que o escritor, fantasiosamente, imaginava deitado sobre o mapa-múndi. O escritor David Zane Mairowitz –– que assina o texto  na moderna biografia ilustrada (em quadrinhos) Kafka de Robert Crumb –– acredita que o pavor de Kafka frente às relações de poder teria sua origem no convívio com seu temido pai. Na carta o escritor dispara ao falar de si e do pai: “ Eu magro, fraco, franzino, tu forte, grande, possante”; quando adulto Franz Kafka ainda sofria com as admoestações de seu pai que tinha fama de ser um patrão hostil que atormentava a vida de seus funcionários. Curiosamente, o autor da “carta” não recordava de ter sido insultado diretamente pelo pai, mas afirmava que havia outros meios de o pai ter agredido a ele e suas irmãs  –– o comportamento irascível paterno talvez fosse o meio que mais afligia a Franz. 

          A autocomiseração do autor, na carta, tangencia o insuportavelmente risível, mas também o torna mais agressivo porque este estado de autopiedade seria culpa do pai. Não obstante, esse pai temível e autoritário  está deformado pelas das construções psíquicas do autor que, esplendidamente, se manifestam ao longo de sua fantástica obra. 

           Afinal, qualquer interpretação –– embora oriunda de uma vasta fortuna crítica –– permanecerá aquém da obra de Kafka.




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 Foto de Hermann e Franz kafka. 
* Texto publicado no portal Notíciasaju, link: http://www.noticiasaju.com.br/