Vocação e conformismo *




         O modo tupiniquim de encarar a questão da escolha do que fazer como realização pessoal dificilmente foge das amarras de um  utilitarismo maçante. Fazer aquilo de que se gosta --- seja pintar, fotografar ou dar aulas, mesmo que surgido por  vocação,  tende a ser encarado com descrédito e como  perda de tempo.  Nossa cultura não encara a questão da vocação como  o fazem em culturas de inspiração protestante e germânica, nas quais  a vocação ganha ares de afirmação da existência.  

A palavra vocação advém do verbo vocare, do latim, que quer dizer chamar;  realmente, as pessoas, quando afirmam que têm determinada vocação, sentem que foram chamadas, talhadas para o que  realizam.  Mas em nossa cultura a realização do apelo vocacional soa como simples diletantismo, --- um capricho ante a luta pela subistência e a possiblidade de galgar uma boa posição social. Verdade que milhões são massacrados em empregos medíocres, porém o ponto em questão não é pensar o ímpeto vocacional de forma desgarrada da realidade social; lembremos que inúmeros artistas, empreendedores e  cientistas vieram de baixas camadas populares.  Em classes mais favorecidas a busca pela vocação pode enfrentar mais empecilhos, já que ela nem sempre se rende a anseios imediatistas --- a classe média tende a anelar  a ascensão  social  como valor supremo.

Herdamos uma colonização de caráter usurpador, na qual saqueadores, renegados, exilados e escravos  formaram a base do que viria a se denominar uma nação.  Como valores culturais e humanistas podiam ser cultivados e transmitidos em meio a um quiproquó ? O filósofo maldito Olavo de Carvalho  em um pequeno ensaio intitulado Vocações e equívocos,  afirma que a “ ética da vocação “  não tinha espaço em nossa colonização. Ainda assevera que, em países católicos, a vocação perde o sentido de realização pessoal sendo considerada sobretudo como vocação ao sacerdócio. Diferentemente da consideração do apelo vocacional em países protestantes e de influência judaica.

Em qualquer conversa de bar ou reunião familiar, a questão da escolha do que se pretende fazer surge para demarcar se é por dinheiro ou prazer fugaz. Não se entende a dedicação a algo sem considerar o ganho financeiro ou a filiação a um hedonismo barato.      A execução de uma atividade que não traga um ganho imediato não é entendida face o senso de prosperidade brasileiro, sendo que quem a executa é visto como atoleimado --- imprudente.   A  manutenção de um emprego que não se suporta é considerada exemplo de virtude e maturidade. O lugar do chamado vocacional foi tomado por um tecnicismo --- engendrado pela pobre visão tropical do que seria desenvolvimento humano --- que prepara o indivíduo para ser um exemplar reprodutor de ideias.

O escritor alemão Goethe publicou, entre os anos de 1795 e 1796, o romance Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister no qual narra as aventuras de Wilhelm ao recusar  o projeto paterno, que o destinava aos prósperos negócios da família, em prol de seu autoaprimoramento que julgava estar na atividade de ator e na poesia. No século XX,  Thomas Mann, o grande escritor alemão desse século,  abandona a tradição comercial familiar para realizar sua obra, destino que não o impediu de ter uma vida burguesa confortável e uma prole numerosa.

O atendimento ao apelo vocacional tende a ser comprendido, na retórica diária do brasileiro, no âmbito do impulso artístico somente.  Atender a apelo tal,  para um membro da classe média,  reclama um comportamento leviano e fora da realidade da vida. O preferível comodismo gera  uma massa servil  que, sôfrega,  necessita do bálsamo carnavalesco, da mascarada,  para poder fruir  o que está opilado na realidade brasileira do conformismo vocacional.

Em psicanálise o sujeito é evocado, chamado,  por seu desejo além de considerações utilitaristas. Ao desopilar o desejo não há a selvageria em busca de saciedade --- isso seria uma vulgata do que  é o desejo para  a psicanálise; mas sim  a responsabilidade do que se é, sem padecer pelo que se julga que foi imputado pelos outros. Vocação é desejo…


* Publicado no site  do Cinform online  em agosto de 2010
 

  



1 comentários:

  • Anônimo | 13 de junho de 2013 às 17:39

    Cita os mesmos exemplos que Olavo, acaba por ter a mesma opinião (mas com um estilo gongórico, sem o mesmo brilho) e ainda o chama de "fisólofo maldito"?

    Ok! Que tal esquecer esta parte e citar o melhor teste vocacional que existe?

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